domingo, 12 de dezembro de 2010

<<< 10 de 2010 >>>

# 07

G.B.H.
"Perfume and Piss"

"Perfume and Piss makes it clear that old punks don't have to burn out or fade away, they can just keep on rocking until they drop.JAMES ALLEN, AMG All Music Guide

No código penal britânico, G.B.H. é sigla para "Grievous Bodily Harm", algo como "Dano Corporal Cabuloso". É por este crime que um sujeito seria processado se enchesse alguém de porrada até reduzi-lo a farelo - ou um monte de ossos fraturados. Apologia da violência? No caso dos veteranos do punk inglês (Charged) G.B.H., com quase 30 anos com os amplificadores no talo, não se trata de fazer o elogio da violência gratuita, mas sim de uma violência bem dirigida e focalizada, mais artística que literal, mais sônica que armamentista: o pacifismo gandhiano é insuficiente para vencer os imperadores tiranos, parece dizer o G.B.H., mas talvez possamos confrontá-los com guitarras! They enrage to engage.

Com mais de 10 álbuns de estúdio (e mais um punhado de ao-vivos) no catálogo, o G.B.H. fez em Perfume and Piss um discaço de punk rock que só mesmo uma banda veterana, cheia de garra e extremamente segura de si poderia fazer. Uma das primeiras coisas que salta aos ouvidos é o sabor altamente rancidiano do disco, o que não é de surpreender, já que o G.B.H. foi uma das principais influências para a banda de Tim Armstrong e Cia. Agora Colin Abrahall e sua turma retornam o presente e gravam um comeback triunfante que honra o espírito do Rancid, coisa que os próprios não conseguiram fazer tão bem no ano passado, quando soltaram, após 6 anos de silêncio, Let The Dominoes Fall, disco que achei meio morno em comparação com a incandescência dos clássicos ...And Out Come The Wolves (1995) e Life Won't Wait (1998).

Se o mais recente álbum do Rancid tinha me feito concluir que é quase impossível que uma banda punk chegue à beira dos 20 anos de pogo e berro sem perder um pouco do gás, o novo do G.B.H. chegou para provar o contrário: que um bom punk sempre encontra a força para voltar a ser um vulcânico jorro de energia juvenil e indignação sadia. Está aí muito do meu afeto e empolgação por estas perenes Fontes da Juventude que são Rocket to Russia, Raw Power, London CallingBlank Generation, Kick Out The Jams!, Nevermind the Bollocks, Zen Arcade, Fresh Fruit For Rotting Vegetables, Nevermind, dentre tantos outros... É só dar um play  neles e sentir a juventude voltar a correr pelas veias, sentir o sangue renovar-se, veloz como um gabba gabba hey!

Por isso gosto de pensar que o punk ensina não exatamente o "live fast, die young!", mensagem muito niilista e auto-destrutiva, mas algo muito mais positivo: "be young your whole fucking life!". Ao invés de morrer jovem e deixar um belo cadáver (para usar a expressão de Oscar Wilde), por que não procurar ser um velhinho com energia de moleque, com pilhas sempre renovadas? A efervescência da juventude pode até parecer tão efêmera quanto uma palhetada de Johnny Ramone; mas seus frutos, por vezes, são tão imortais quanto "Rockway Beach" ou "God Save The Queen".

* * * * * 


O G.B.H. sobrevive desde 1979, tendo participado da primeira onda do hardcore britânico (que contou ainda com Varukers, Exploited, Discharged, dentre outros). São eles os legítimos "last ones to die" e "indestructibles" de que falam as canções do Rancid.

Apesar de citados como uma das primeiras bandas a tentar o crossover entre punk e metal que gerou o thrash e o speed metal,  e apesar de terem conseguido influenciar tanto o Slayer quanto o Rancid, o G.B.H. é bem mais do pogo do que do headbangin', como prova o moicanão de Colin Abrahall. 
"There aren't many first-generation British punk bands that have stayed the course all the way up through the 2000s, and it's striking how much furious energy still leaps out of the band's guitars, drums, and throats on Perfume and Piss. Perhaps most impressive is the fact that G.B.H. have stayed close to their original aesthetic -- Perfume and Piss isn't watered down by any attempts at "maturity" or "sophistication" -- two words that spell death for street punks." --- AMG ALL MUSIC GUIDE
 Perfume and Piss é um álbum mais rancidiano e cláshico do que qualquer outro que eu tenha ouvido neste ano, o que se explica fácil: Lars Frederiksen ficou responsável pela mixagem e o disco foi lançado pelo selo Hellcat da Epitaph (co-fundada por Tim Armstrong), o que basta para rancidificar o climão do álbum. Além disso, o álbum traz uma homenagem póstuma a Joe Strummer ("San Jose Wind", quase uma elegia fúnebre em ritmo punk-77 dirigida ao falecido líder do The Clash, cujas cinzas foram espalhadas pelo vento da cidade espanhola de San Jose).

Como era de se esperar, o disco é pedrada pra todo lado: contra o terrorismo islâmico (em"Invisible Gun"), contra os reality shows ("This Is Not The Real World"), contra os presidentes genocidas ("Cadillac One") e, claro, contra baladinhas água-com-açúcar ("Ballads", que reclama pelo retorno da "teenage angst" bradada em alto e bom som e pelo fim das cancionetas de amor mela-cueca). 

 "All I can smell is perfume and piss!!!", esbraveja o G.B.H. na faixa-título.  Eu pensava que estavam se referindo, é claro, àquelas criaturas odiáveis que borrifam perfume pelo ambiente para que ninguém perceba que mijaram no chão: os políticos, esta raça que domina a arte do kitsch e maquia suas pilantragens com maquiavélicas artes de perfumaria... Que Estado neste mundo não fede a perfume francês? Queremos um Estado que feda a suor proletário!

Mas o próprio Colin, no encarte e em entrevistas, garante que "perfume and piss" é algo mais que uma botinada nos poliqueiros: é uma metáfora para a vida e sua mescla de bem e mal, perfume e fedor, maravilha e horror, elementos sempre em dialéticas transações. "Every dark cloud has its silver lining, and vice-versa", comentou o vocalista do penteado porco-espinho. Muito bem dito.

"You've got the power to throw the bomb / You can blow us all to kingdom come", cantam em "Cadillac One". E aqui se escancara que o inimigo contra quem se volta a fúria da música do G.B.H., é claro, são estes com poderes para lançar bombas, dizimar vilas, empilhar civis, incendiar histórias. O G.B.H. vem com seus riffs-molotov e seus rifles-refrões para nos ajudar a nos livrar tantos destes bombermen do Império, quanto dos sanguinários terroristas com o dedo no gatilho das invisible guns. E como fazem muito mais barulho, literalmente falando, do que uma palestra de Noam Chomsky!

Já "Power Corrupts" podia muito bem ser um hardcore inspirado por Dogville, o clássico brechtiano de Lars Von Trier. Só que o G.B.H., é claro, é bem menos intelectualizado que o cineasta dinamarquês, e ainda mais selvagem. Estes brados de Birmingham a respeito dos efeitos corruptores do poder, saturados dum anarquismo escancarado e desavergonhado, são chutes-na-porta mais que argumentos lógicos. 

Mas quem foi que disse que um chute-na-porta não possa ter sua lógica?

Seja bem-vindo ao punk rock pé-na-porta e polícia-pra-fora, que berra com plena convicção sua certeza de que para a corrupção ser diminuída, só há um meio: que o poder seja melhor distribuído. Pois poder absoluto corrompe absolutamente. Que os megalomaníacos e control freaks tomem um chute na bunda, para fora do trono, e fiquem na deles, ao invés de segurando o remote da bomba atômica...

Enfim: ouvir um álbum primoroso como Perfume and Piss é um excelente lembrete não só da vitalidade perene do movimento punk, mas do quanto o punk é o mais urgente de todos os estilos musicais já inventados por humanos: pois é fruto daqueles que são plenamente conscientes da urgência de agir contra as desigualdades sociais, autoritarismos escrotos, costumes sociais "quadrados" e outras desgraceiras que impedem a pedra de seguir rolando adiante, sem juntar limo...


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"There isn't a self-respecting gutter punk, hardcore kid or subcultural miscreant alive who hasn't seen the GBH logo emblazoned on the back of a leather jacket, a denim vest, or a torn-up t-shirt. And now the world  will be slapped upside the head with another reminder as to exactly why GBH is so important, in the form of Perfume and Piss, the legendary and iconic punk band's first album for Hellcat Records. Barn-burning, fist-pumping, palace-gates-storming tracks like "Kids Get Down," "Cadillac One" and "This is Not the Real World" carry the torch forward with the band's trademark fury that is alternately nihilistic, optimistic, pessimistic, anarchist, violent, humorous and deadly serious all at once." - Facebook 

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