segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

<<< 7.000 pessoas prestigiam a fina nata do instrumental >>>

GOYAZ FESTIVAL 2011

- 5ª edição do Goyaz reúne 7,2 mil pessoas no Centro Cultural Oscar Niemeyer (GO) em 4 noites de finíssimo som instrumental latino-americano -


Antes, eu só conhecia o Centro Cultural Oscar Niemeyer de vista e reputação. O gigantismo do CCON, construído numa vasta esplanada de 27 mil metros quadrados, seduz o olhar de qualquer motorista que transite pela BR-153. Mas desde que conheci Goiânia, o Niemeyer estava infrequentável e chegava a meus ouvidos apenas como personagem de uma rocambolesca intriga política que fez com que o grande elefante branco passasse boa parte dos últimos  2 anos "às moscas", apesar dos R$65 milhões de reais investidos em sua construção.

Em ruidoso protesto contra esta sub-utilização ("o descaso com as instalações do centro cultural é de comover até mesmo um coração concretado", escreveu Pablo Kossa), ocorreu no ano passado o movimento Rock Pelo Niemeyer. Contando com a união de forças entre Monstro Discos, Fósforo Cultural e muitas das principais bandas da capital goiana, a "cena roqueira" de Goiânia, com notável estardalhaço, exigiu das autoridades a reabertura do CCON.


 
Tanta mobilização e protesto parece ter surtido efeito e foi comovente poder testemunhar a reabertura do CC Oscar Niemeyer neste Janeiro de 2011 --- e em tão grande estilo. No primeiro dia do V Goyaz Festival, uma Lua mesmerizante, baixinha no horizonte, parecia ter descido das alturas para fazer um dueto com o "iglu" de concreto de nosso mais célebre arquiteto. Com shows do trombonista Bocato e do DJ Múcio Guimarães, tinha sido dado o sopro inicial num belíssimo evento, que deveria servir como exemplo para outros semelhantes a pipocarem pelo grande Brasil.
Bocato

O ambiente estava tão agradável e cool que me senti na versão brazuca do Montreux (guardadas as devidas (des)proporções). Já o ingresso gratuito, benesse proporcionada pelo financiamento federal do Fundo Nacional de Cultura, é outra coisa que merece aplausos. São raríssimos os festivais na América Latina que proporcionam atrações culturais do primeiríssimo escalão e que levam a sério a questão da democratização do acesso. Ninguém pode acusar o Goyaz Festival de “elitismo”! Um festival nestes moldes, que em São Paulo ocorreria provavelmente num antro de grã-finos como o Bourbon Street, com um preço-facada duns 100 mangos a noite, para cerca de 200 endinheirados da elite cultural e financeira da mega-inegualitária megalópole, ocorreu em Goiânia como deveria ocorrer em todo canto: cultura para todos!

César Camargo Mariano
Claro que há uma pequena desvantagem para este imenso privilégio de poder assistir a todos estes artistas sem gastar um níquel: os inevitáveis ruídos de multidão, quase impossíveis de não surgirem quando se muvucam no mesmo ambiente 2.000 criaturas, muitas delas bastante alegres de tanto sax ou de tanta breja. Em quase todas as noites, a questão do silêncio (ou da falta dele) foi problemática. Por mais que a organização implorasse ao público, no início de todos os shows, que ficassem de bico calado, tanto em sinal de consideração e respeito pelos artistas, quanto para uma melhor apreciação da música, não se pode dizer que a sugestão tenha sido unanimente acatada. 

Uma parte minoritária mas considerável do público, especialmente a galera que ficou rodeando os dois bares, no arco superior do anfiteatro, pareciam mais a fim de trocar ideia, gargalhar, encher a cara e paquerar do que ouvir música em silêncio monástico. Não sou dos incomodados. Acho até um charme que exista aquele "coro" dissonante e farrista lá no fundo, frisando que a curtição deve prevalecer sobre a caretice. Mas um pulinho à comuna GRC no Orkut revela que muitas pessoas ficaram putas com os "bárbaros boçais" que não calavam a boca durante o Goyaz. É que o público de Goiânia, cme parece, tem impetuosas tendências para o hedonismo e costuma ir a shows não só com permissão para fazer barulho, mas sendo incentivado a fazer uma barulheira dos diabos, estando m tanto desacostumado com o mutismo que se exige dos "concertos de música séria". Quem mais sofreu com isso foi o show de César Camargo Mariano, que tocou pianíssimo, tendo como pano de fundo um burburinho um tanto aporrinhante. 

Marco Lobo

Quem roubou a cena na quinta foi o percussionista Marco Lobo que, no show de abertura, honrando a tradição de Hermeto Pascoal, tirou som das mais excêntricas fontes (como uma garrafa pet de 2 litros), desceu para o meio da galera e sagrou-se como um experimentador hippão de muita ousadia e um senso rítmico acachapante.

Na noite de sexta, a mais festiva do Goyaz, os argentinos do Tanghetto abriram a noite brindando o público com seu interessante “tango eletrônico”. Realizando uma peregrinação sonora em que a música tradicional da nação de Borges convive em harmonia com batidas eletrônicas, destilaram uma bem bolada mescla entre o tradicional e o moderníssimo, o primitivo e cibernético. Enquanto nuestros hermanos tocavam clássicos de Piazolla e outros, os telões passavam inebriantes imagens: de cenários urbanos argentinos a montagens psicodélicas, de versos em castelhano a vagas abstrações. Foi a única ocasião do festival em que o espetáculo tornou-se multi-mídia, com alto prazer não só sônico como cinematográfico.

Paraphernalia
Na sequência, o octeto carioca Paraphernalia, com um groove cabuloso e uma sessão de metais de esquentar qualquer bailão, fez o público se levantar e tomar a frente do palco. O fervilhamento não seria menor se quem estivesse ali fosse a Orquestra Imperial ou a Big Time Orchestra. O começo de madrugada de sexta-feira virou, de vez, balada. E das mais joviais. Transitando com ecletismo entre diversas sonoridades, inclusive uma música de inspiração indiana, com uma cítara tocada com um primor de fazer inveja à George Harrison, o Paraphernalia mostrou ser uma ótima promessa da nova música instrumental brasileira.

No sábado, Jacques Morelembaum e seu "Samba Cello Trio" fez um dos shows mais lindos do festival, ainda que eivado de melancolia. Mostrando que não há absurdo no intento de tocar samba no violoncelo, passeou por composições de João Gilberto, Tom Jobim, Jacob do Bandolim e Caetano Veloso com um bom-gosto e uma sensibilidade impecáveis. 



 Encerrando o festival, o prodigioso gaúcho Yamandu Costa fez o que sabe fazer melhor: deixar o público boquiaberto com tamanho virtuosismo técnico unido a uma "entrega" tão total e apaixonada ao instrumento. Com uma velocidade espantosa, digna de um Yngwie Malmsteen desplugado, Yamandu cavalgou e galopou em seu violão como um endemoniado. Acompanhado pelo acordeom de Alessandro Kramer, Yamandu esbanjou segurança e versatilidade cruzando o popular e o clássico, o choro e a música de fronteira, sempre recheando os intervalos entre as músicas com comentários  cômicos infames num gauchês desencanado. Eis um músico brasileiro que dá a impressão de que poderia tocar em qualquer canto do planeta causando a mesma impressão de assombro, admiração, inveja. Puta dum violeiro!


O saldo do V Goyaz, pois, foi imensamente positivo: foi o recorde de público nestes 5 anos de festival, contou com a reabertura histórica do Centro Cultural Niemeyer  (que poderá abrigar neste ano eventos ainda maiores, como o X Vaca Amarela e o XVII Goiânia Noise) e todos os shows valeram a pena. Deixo aqui meus votos de que os próximos janeiros em Goiânia possam ser presenteados com outros Goyazes tão bons quanto!

* * * * *

O Depredando, munido com um gravadorzinho portátil Sony, conseguiu registrar na moita alguns dos shows do V Goyaz, que agora disponibilizamos aí como Bootlegs Exclusivos do blog, bons como souvenir para quem esteve lá, mas também ótimos para que os ausentes se inteirem do que rolou. Curtam ae!

PARAPHERNALIA
<<< breve >>>

JACQUES MORELENBAUM
<<< download >>>

YAMANDU COSTA
<<< download >>>

Nenhum comentário: