quarta-feira, 2 de maio de 2012

Um Mestre Cirandeiro Nos Balés da Tormenta







S I B A



"Uma serpente que não troca de pele morre.
O mesmo acontece com um espírito que se impede de mudar de opinião."

(Nietzsche)


Nos Balés da Tormenta


Dançar um balé em meio à tormenta: esta imagem poética me parece encapsular Siba em uma pílula. Pensa-se, de modo geral, que dançar é coisa a se fazer em tempos de alegria, em dias de festa, em meio ao colorido das bexigas ou o alvoroço dos fogotórios. Siba parece querer nos dizer que isto é limitar a dança a um modelo muito estreito. É tentar inserir um quadro vasto numa moldura muito apertada. Pois dançar em meio à tristeza pode ser tão ou mais vital do que todo bailar jovial. 

Samuel Beckett
A expressão "balés da tormenta" me trouxe à mente a arte de dançar na beira do abismo que filmes como Dançando no Escuro (Lars Von Trier),  Cisne Negro (Darren Aronofsky) e Pina (Wim Wenders) nos pintaram no cinema. Nessas obras leio um ímpeto de não se deixar enrijecer pelas desgraças, não perder o frescor com a maturação, não cessar de cantar mesmo em meio à tormenta. Não perder o ritmo e a melodia mesmo quando a coisa 'tá preta, mesmo com o pé na forca. Afinal, como bem disse Samuel Beckett, numa frase que Manoel de Barros apreciava tanto que a mandou imprimir num de seus caderninhos, "quando se está com merda até o pescoço... o melhor a fazer é CANTAR!"

Nos Balés da Tormenta, filme que documenta a trajetória e as metamorfoses do artista pernambucano Siba, é um acompanhamento audio-visual ao disco mais recente daquele que um dia foi rotulado como  "cirandeiro", mangueboy, repentista e o caralho a quatro. Siba explora em Avante (2012) um novo território: abandona o climão carnaval-de-rua que dava o tom à Fuloresta e investe num novo formato, agora com guitarra elétrica, tuba (!) e uma poesia menos folclórica e mais confessional. "Se o tempo fosse parado, nada existia no mundo", cantava Siba junto aos metais da Fuloresta no álbum Toda Vez Que eu Dou Um Passo, O Mundo Sai do Lugar. Siba não crê em tempos parados, mas sim na afirmação da mudança. 

O filme acaba sendo uma celebração desta capacidade humana que alguns artistas desenvolvem ao extremo: a de auto-transformação, auto-reinvenção, bowiezação. Uma tentativa de encarnar a "metamorfose ambulante" um dia celebrada por Raul. Siba fala às câmeras, em vários momentos, da necessidade de quebrar com os padrões repetitivos, de ousar o novo para fugir da monotonia, da sensação de que ser papagaio não é destino digno de homens. O que me fez pensar no que dizia Wittgenstein sobre os revolucionários - “Será revolucionário quem a si próprio conseguir revolucionar-se.” 


Claro que chamar de "revolucionário" qualquer dos trabalho de Siba, tão calcados nas tradições musicais nordestinas, tão enraizados em solo fertilizado com mitos afro-brasileiros ancestrais e costumes legados por antigas gerações, talvez seja exagero. O Siba não me parece um artista que quer "renovar por renovar" - não é como esses artísticas plásticos contemporâneos que veneram a originalidade acima de todo o resto e por isso pensam que realizaram obras-primas ao construir algo estranhíssimo e nunca dantes visto na história deste planeta. Siba parece pôr a poesia acima da própria música em seu próprio modelo hierárquico, apesar de sua postura, no geral, anti-hierárquica. Ao invés de colocar o rock "acima" dos ritmos mais "folclóricos", ao invés de louvar a guitarra elétrica como um deus diante do qual os pandeiros e chocalhos nas ruas seriam pouca porcaria, Siba afirma que estes estilos estão em pé de igualdade e são meios igualmente possíveis para atingir um fim poético, estético, encantatório...

Siba foi uma das forças criativas que, na Recife de fim-de-século, quando a Internet nascia e a imagem da parabólica fincada na lama sinalizava para novos tempos em aurora, ajudou a pôr lenha na efesvescência do manguebeat. Naquela época, enquanto Chico Sciente e a Nação Zumbi, Mundo Livre S.A. e Sheik Tosado, dentre outros, capturavam a atenção de todo o Brasil com o ineditismo daquela mescla, Siba - junto ao Mestre Ambrósio - já tratava de quebrar os moldes e sugerir que, sim, não há contradição entre rock e rabeca, entre cibercultura e festas folclóricas, entre balés e tormentas.

Hoje em dia, "veterano" daquela cena, Siba soma forças com Fernando Catatau, do Cidadão Instigado, e prossegue seu poetizar num percurso muito próprio. É um percurso onde parecem coexistir, numa  relação cada vez mais serena, um desejo de enraizamento (de resistência à perda das "auras" que a urbanização vai acarretando) e um outro desejo de renovação, de experimentação, de quebra de paradigmas e busca de vias inéditas. Nos Balés da Tormenta tem a grande virtude de permitir ao espectador conhecer todo o "contexto" no qual Siba compõe e cria: é um retrato de um artista em suas inquietações, suas dúvidas, seus tateios, que rascunha para si mesmo um caminho de serpente - bicho que, se não trocar de pele, morre. Abandonar-se à aventura de uma estrada nova parece ser a mania deste cantador que às vezes pode até nem saber pra onde vai, mas que concebe como destino ir sempre avante.



Versão em curta-metragem do documentário dirigido por Caio Jobim e Pablo Francischelli. 
O filme está sendo exibido pelo projeto Conexão Vivo Movida, uma mostra de videoclipes e documentários musicais que passa em 2012 por 5 capitais: Goiânia [programação completa], São Paulo, João Pessoa, Belo Horizonte e Salvador. 


download (via Hominis Canidae)
download (via Hominis Canidae)
1996 - download (via Hominis Canidae)

Um comentário:

Lincoln Furtado disse...

Grande Siba e ótimo espaço para o publico conhecer mais e aprender mais... bom trabalho , obrigado!