domingo, 11 de novembro de 2012

"Refletindo sobre o futuro": pensamentos sobre como a Internet tem revolucionado a Indústria da Música (por Fabrício Boppré)

"O Brasil é o 5º país com maior número de downloads ilegais de arquivos de música na internet"
Saiba mais na Revista Noize: http://bit.ly/rainbows58

REFLETINDO SOBRE O FUTURO
por Fabrício Boppré @ Dying Days

"All the time the industry talks of money: money it’s lost, money it’s owed. It rarely talks about the effects upon artists, and even less about how music itself might suffer. But no one cares about the suits and their bank accounts except shareholders and bankers. People care about their own money, and the industry not only wanted too much of it but also failed to take care of those who had earned it for them: the musicians. And it’s the latter that people care about. Because People Still Want Good Music."

O trecho acima é deste artigo publicado já tem uns meses na Quietus, mas que ainda é uma ótima leitura, recheada de boas reflexões e, no geral, uma clara e precisa visão sobre o estado das coisas na indústria da música.

Acho que o autor falha apenas ao tentar vislumbrar saídas para os dilemas que a internet criou para todo o espectro de interessados na questão — fãs, músicos e gravadoras. Não creio que a saída esteja em sistemas de assinaturas ou na manutenção e suporte ao trabalho de músicos (e, analogamente, escritores, cineastas, etc.) nos mesmos moldes do pagamento que fazemos pela eletricidade e pela água que entra em nossas casas. São coisas muito diferentes. Acho que é necessário pensar de forma mais ampla.

Que ninguém se engane, ou se deixe enganar: o colapso da indústria tem como origem a ganância que cresceu gradualmente na medida em que o seu modelo de negócio — baseado na venda supervalorizada de objetos de plástico produzidos em escala industrial e apoiado maciçamente por toneladas de marketing — gerou fortunas e estabeleceu uma confortável cultura dominante de artistas descartáveis e submissos às intenções meramente comerciais desta indústria. Uma cultura e um modelo de exploração e comercialização que, em algum momento, para executivos e artistas, pareceu ser fonte infinita de dinheiro. Claro, me refiro às grandes corporações de mídia e aos artistas-celebridades, mas esta sórdida micro-parcela de “criadores” (com o perdão do uso de tão bonita palavra para designar essa turma) é a que cultiva a atenção da imensa maioria da multidão consumidora de música, e acredito que a própria natureza desse desequilíbrio e dessa massificação geram os danos que, com a chegada da internet e a consequente quebra desse modelo de negócio, hoje estendem-se por toda a pirâmide.


A partir daí, sobre o futuro, a minha percepção segue uma linha diferente. Um disco, um filme, um livro, tudo isso ainda é amplamente comercializado junto de um suporte físico, mas em última instância o que interessa não é esse objeto, e sim o seu conteúdo, e esse conteúdo, em geral, pode ser digitalizado e mantido em um computador ou tablet ou seja lá o que for, tornando dispensável o objeto. Claro, há ainda o nicho das pessoas que se interessam pelo objeto no armário, a arte gráfica que vem junto e tudo mais, mas esse grupo tende a diminuir gradativamente, por uma série de fatores. A questão é que uma vez criado o conteúdo digitalizado, não há como impedir que as pessoas distribuam cópias. Tentativas surgem constantemente, apenas para serem ludibriadas na sequência. E mesmo que Hollywood e as grandes gravadoras consigam um dia impedir o funcionamento de todos os sites de downloads e todos os sistemas de troca de arquivos — o que é improvável, mas consideremos a possibilidade —, ainda assim existirá o e-mail, e as pessoas poderão pegar seus arquivos e enviar por e-mail para quem quiserem, afinal, é pouco provável que algum dia a troca de e-mails seja proibida ou vigiada (pelo menos, assim queremos crer).

Portanto, não há saída. A indústria da música tem que passar a funcionar levando isso em conta, tem que desistir de vedar as pessoas de fazerem o que quiserem com as coisas que adquirem. O foco tem que passar da reprodução/replicação, que a internet universalizou, para a criação, que é, de fato, a execução da virtude do artista, além das atividades correlatas. Considerar roubo a cópia de uma música, como se ela tivesse que gerar dinheiro continuamente para alguém toda vez que fosse parar em um novo computador mundo afora, não é viável, não é algo coerente com o mundo atual. O dinheiro fácil e as fortunas não serão mais possíveis, em muito pouco tempo. O que é ótimo, pois eu acho um absurdo, por exemplo, que cada um dos Rolling Stones ainda ganhe, provavelmente, algo na ordem das dezenas de milhares de dólares mensalmente por uma música ou um disco gravado e lançado décadas atrás, enquanto nesse exato instante há gente desesperada atrás de um emprego, para trabalhar e receber dinheiro agora, e sobreviver. Ou, pior: enquanto há gente morrendo de fome.

Acho que existe um contexto bem mais amplo aí, como indicam as crises econômicas e sociais e os subsequentes protestos mundo afora, mas voltando ao quadro mais restrito da indústria da música, uma pista de como as coisas irão inevitavelmente passar a funcionar pode ser a seguinte: eu (e provavelmente você), para ganhar o meu dinheiro, negocio com os interessados no meu trabalho, acordamos um valor e um produto ou serviço, eu crio esse produto ou executo esse serviço e ganho o dinheiro combinado. Esse valor é fruto de um cálculo que envolve tempo de produção, demanda, complexidade, minhas necessidades pessoais durante o período de tempo que estarei dedicado a este trabalho, etc.. E acho que esse é o modelo que a revolucionária internet irá impôr, gradualmente, a todo mundo, acabando com as obscenas fortunas de celebridades e mega-corporações. E tudo isso iniciando-se com o fim da venda de um objeto que é produzido ao custo de R$ 1,00 a unidade e vendido por R$ 30,00, fim este que só tornou-se possível a partir do momento em que começamos a fazer downloads de discos e assim, talvez meio sem querer, a contestar este estado das coisas.

Siga viagem...


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