domingo, 1 de setembro de 2013

Che: Uma Chama Que Continua a Arder [excertos do livro de Michael Löwy e Olivier Besancenot]


"Che faz de uma citação do poeta e revolucionário cubano José Martí seu estandarte: 'Todo homem verdadeiro deve sentir na face o golpe dado a qualquer homem'. Manter a revolta à flor da pele, indignar-se, é sentir-se parte de toda a humanidade, num destino solidário, e já é agir. 'Se você é capaz de estremecer de indignação cada vez que se comete uma injustiça no mundo, então somos camaradas...', dizia o Che. Ele defendia essa idéia perante os jovens comunistas de Cuba: 'o dever de todo jovem comunista é ser essencialmente humano, tão humano que se aproxime do melhor do humano... desenvolver sua sensibilidade a ponto de sentir angústia quando se assassina um homem em algum lugar do mundo e exaltar-se quando se levanta em algum lugar uma nova bandeira de liberdade.'"
MICHAEL LÖWY e 
OLIVIER BESANCENOT

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"A piada é famosa em Havana: durante uma reunião da direção cubana pouco depois da revolução de 1959, quando Fidel Castro perguntou à assembleia, 'Há um economista na sala?', Che (que era médico!) teria levantado o dedo. É imediatamente nomeado presidente do Banco Nacional. À saída da reunião, Fidel teria interrogado Che, estupefato: 'Não sabia que eras economista!' Resposta do interessado: 'Carajo, tinha entendido que a pergunta era: 'Há um comunista na sala?' Para além da anedota, é certo que Ernesto Guevara assumia publicamente a adesão às ideias comunistas muito antes da Revolução Cubana. 

A epopéia política, subversiva e romântica de Che suscitou, na época, uma lufada mundial de oxigênio num movimento operário internacional paralisado pela Guerra Fria. Ela constitui hoje um viveiro de idéias e uma fonte de inspiração original. Efetivamente, no tempo do capitalismo universal, a sombra de Che continua a planar sobre o Chiapas mexicano, na região dos camponeses rebeldes zapatistas. Estende-se sobre a Venezuela de Chávez. Flutua acima das manifestações da geração altermundialista, que, nas escolas, empresas e bairros operários contesta a imposição da nova ordem mundial predadora sobre a economia, a sociedade, a paz e o meio ambiente.

Desde as primeiras viagens de adolescente na América Latina (a célebre viagem de motocicleta que Walter Salles filmou) até os combates revolucionários em Cuba, no Congo ou na Bolívia, sua matriz ideológica nunca se fixou. Pelo contrário, continuou sempre em movimento, em questionamentos perpétuos, em interrogações incessantes, movida por uma sede de descoberta... Che Guevara era uma cabeça ávida de compreensão e saber.

O período no qual ele evolui é marcado pelo colonialismo, com suas guerras, seu racismo, e pelo movimento de descolonização, gestado por inúmeras lutas de libertação contra o imperialismo na Ásia, na África e na América Latina. 

Seguindo seu próprio caminho, por vias diferentes, Malcolm X, nos Estados Unidos, que rompeu com os Black Muslims em 1964, chega a conclusões similares às de Che na véspera de seu assassinato em fevereiro de 1965: defende um marxismo aberto, humanista e internacionalista. Duas vidas. Dois assassinatos. Dois percursos ceifados em pleno vôo por uma morte decretada pelos defensores inquietos da ordem yankee..."

(Pg. 31)




"Em 1989, caiu o Muro de Berlim, fato que marcou o início de uma nova era. Longe de se traduzir pelo advento de um socialismo de feições humanas, a tão esperada derrubada da URSS e de seus ‘países irmãos’ desembocou, por fim, no estabelecimento de um capitalismo selvagem. A Guerra Fria cedeu lugar a guerras quentes e guerras pelo petróleo, à imagem dos dois conflitos conduzidos pelos Estados Unidos no Iraque durante quinze anos… sob o olhar aprovador do deus dólar. Outros muros se levantaram então: os Estados Unidos e a Europa se tornaram fortalezas imperiais pilhando no Terceiro Mundo riquezas das quais não se pensa compartilhar a menor migalha. Em suma, o planeta foi submetido ao domínio total da economia de mercado feroz e brutal.

Em seu cortejo de miséria, de fome, de exploração, de guerras e catástrofes ambientais, a globalização capitalista suscitou novas resistências e, de fato, novas esperanças. Foi no coração dessa outra América e na trilha balizada pelos combates de Che que voltou a brilhar a estrela da aventura humana.

Em 1º de janeiro de 1994, no Sudeste mexicano, em Chiapas, camponeses zapatistas pegaram em armas para dizer “Ya Basta!” à nova ordem mundial. Em dezembro de 1995, na França, a primeira grande revolta contra o neoliberalismo anunciava a renovação das lutas sociais.

Desde essa época, uma palavra de ordem não pára de ressoar: “Um outro mundo é possível!” Esse grito de urgência lançado pelos povos foi ouvido durante greves gerais na Europa e na Ásia, brotou dos movimentos insurrecionais da América Latina, na Venezuela, Argentina, Bolívia, Equador. É levado pelos fóruns sociais do movimento altermundista.

O saldo das revoluções do século passado precisa ser avaliado mais uma vez: da Comuna de Paris de 1871 até as revoluções latino-americanas das décadas de 1960 e 1970, sem esquecer a Revolução Russa de outubro de 1917 ou a Espanhola de 1936, os revolucionários devem, com um olhar crítico, extrair desses episódios as soluções democráticas adequadas. Devem também aprender novamente que a multidão dos explorados e dos oprimidos, unida e solidária, é capaz de tomar seu destino nas mãos se assim o decidir. 

Relembremos que sem essas revoluções, sem essas rupturas, sem esses movimentos de contestação, nossas aquisições sociais seriam bem magras. Apenas o espectro de uma revolução na França em Maio de 68 parece ter sido mais eficaz do que os governos de esquerda para arrancar direitos sociais elementares: os serviços públicos, a seguridade social ou as férias pagas. Foram obtidas porque nossos antecessores paralisaram e bloquearam o país ocupando maciçamente as empresas… 

O grande canteiro de obras para elaborar o socialismo do século XXI está aberto…”


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Trechos extraídos do livro
(São Paulo: Ed. Unesp, 2009),
de Michael Löwy e Olivier Besancenot





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